quarta-feira, 24 de julho de 2013

Empresa? Sim ou não?

Devo ou não abrir uma empresa para o negócio que vou criar? A resposta é "Sim mas ...".

O mas tem muitas coisas sendo que uma é a questão fiscal e a outra é a própria pessoa que faz a pergunta.

Olhando para a parte fiscal, a questão coloca-se geralmente comparando a criação do negócio como uma empresa ao abrigo do IRC ou desenvolver o negócio como particular e sujeitar-se às regras fiscais do IRS. Em ambos os casos é necessário prever os custos com a Segurança Social.

Geralmente e olhando apenas para a parte fiscal a resposta é "Sim, uma empresa é mais favorável". Eu, no entanto, prefiro responder aos meus futuros clientes com "Sim, uma empresa é mais favorável mas vamos estudar isso em conjunto".

Vamos ver o seguinte caso. Um casal sem filhos e sem rendimentos neste momento vai explorar um pequeno restaurante totalmente já equipado. Não têm de fazer obras. No fundo vão explorar um espaço já devidamente equipado e licenciado para a actividade da restauração. As suas previsões apontam para uma facturação anual a rondar os €60.000,00.

A simulação para este caso está neste Google Docs.

No caso de optarem por desenvolver o negócio em sede de IRS, a opção poderá ser pelo Regime Simplificado da Categoria B do IRS que não obriga a contabilidade organizada. Ao nível da Segurança Social, ambos os membros do casal são considerados trabalhadores independentes.

Neste caso e não tendo mais rendimentos para além dos referidos, ao fim de um ano de actividade o IRS a pagar (colecta líquida de IRS) é de €1.362,70 e as contribuições para a Segurança Social totalizam €6.992,68. Assim, a "carga tributária total" é de €8.355,34. Dividindo este valor pelos €60.000,00 de rendimento bruto, a "taxa efectiva de tributação" é de 13,93%.

É muito ou é pouco? Bem temos de comparar com algo.

Vamos supor que o mesmo negócio vai ser desenvolvido criando uma empresa. Os membros do casal vão ser sócios gerentes e vão ser remunerados mensalmente com o salário mínimo nacional para minimizar os encargos sociais na esfera da empresa. Como ninguém consegue viver com um salário líquido mensal de €431,65, os sócios vão realizar adiantamento de lucros mensais no valor de 50% do resultado. Após uma análise dos custos e sem que existam encargos sujeitos a tributação autónoma em sede de IRC, chegou-se à conclusão que o resultado tributável é de 15% do volume das prestações de serviços.

Neste cenário o IRS é decomposto em duas parcelas que totalizam €1.801,14 sendo €541,40 dos rendimentos englobados e €1.260,00 dos rendimentos taxados via taxas liberatórias do IRS. Os custos pessoais em termos de Segurança Social totalizam a fim de um ano €1.493,80.

E a empresa? A empresa é taxada em sede de IRC a uma taxa de 25%, ou seja, €2.250,00.

E temos todos os tributos para calcular a "carga tributária total" neste cenário. Essa carga é de €5.545,20 e representa uma "taxa efectiva de tributação" é de 9,24%.

E aqui está: sim uma empresa é geralmente mais vantajosa em termos ficais. Mas ... há outras coisas que têm de ser analisadas na parte fiscal! Por exemplo, no caso de se optar pelo regime descrito em sede de IRS, no final do mês o casal pode retirar o dinheiro que quiser para si do caixa ou do banco onde tem a conta do negócio sem nenhuma formalidade adicional. Esses rendimentos já foram taxados em sede de IRS. Na empresa, levantar lucros estão sempre sujeitos a uma tributação a taxas liberatórias de 28% ou a uma retenção na fonte de igual valor caso se opte pelo englobamento. A primeira opção tem o que eu chamo um "custo de liberdade" mas há quem prefira pagar mais para ter essa por essa liberdade formal e fiscal.

Disse que no mas havia a parte fiscal e questões ligadas às pessoas que vão cria o negócio. Essas pessoas estão conscientes que as questões formais de ter uma empresa são bem mais complicadas que num negócio em sede de IRS no Regime Simplificado? Essas pessoas têm tempo para organizarem a célebre pasta da contabilidade? Tem noção que numa empresa qualquer levantamento do caixa ou banco tem de ter suporte documental? Se as respostas a estas questões é "Não" então o melhor é não optar por criar uma empresa.

As pessoas não estão 100% seguras da capacidade do negócio gerar os €60.000,00 anuais do negócio? Então nesse caso é melhor optar por exercer a actividade em sede de IRS porque cessar a actividade é mais simples e rápido.

E se o negócio exceder as expectativas? Uma folha de cálculo como a que foi criada permite analisar esta questão. Se o negócio exceder o volume de facturação anual de €75.000,00, a opção por ter um negócio a nível individual começa a ser penalizador não tanto pelo IRS mas pela Segurança Social porque entra-se no patamar de desconto para a segurança social de 3xIAS.

Se chegou até aqui espero que ainda se lembre que este casal apenas queria abrir um pequeno restaurante. Se calhar depois desta explicação já desistiu de criar o seu negócio e contribuir para o PIB!

E lembre-se, por favor: as conclusões deste artigo apenas se aplicam ao caso específico apresentado. Abrir uma empresa é geralmente mais vantajoso mas tem de se ver sempre caso a caso.

segunda-feira, 15 de julho de 2013

Desabafo I

Desabafo I ... porque muitos outros se vão seguir! E um blog serve para isso mesmo: para desabafar.

E qual é a razão do Desabafo I? É isto: quase sempre que fui dar início de actividade de uma empresa ou de um empresário em nome individual na Autoridade Tributária ... tive filmes.

Lembro-me especialmente de um funcionário numa repartição em que ainda me estava a sentar para ser atendido, disse-me: "Então vem fazer um início de actividade? Deixe-me cá ver se está fora de prazo para eu lhe aplicar um multa". Sinceramente pensei que estava a gozar comigo mas mal o vi a contar pelos dedos os dias ... vi que estava a falar a sério. Como estava dentro do prazo (genericamente 15 dias) acabei a rir-me da situação.

Obviamente que quem vai declarar o início de actividade de uma empresa e por isso gerar receita fiscal para o Estado não está à espera de uma palmada nas costas ou de um tapete vermelho ou até mesmo de um atendimento preferencial. Mas não me parece que seja altamente motivador que a primeira coisa a verificar seja "Deixa ver se já vais levar com uma coima"!

Até pela Internet o início de actividade pode ser um filme. Lembro-me de um caso em que depois de ter preenchido tudo pela Internet, o meu cliente ficou aguardar o envio para a morada fiscal do código de validação do início de actividade. E esperamos não um, não dois mas sete dias e nada. Como era necessário ter o comprovativo do início de actividade para poder fechar contratos com fornecedores lá me decidi ligar para a Autoridade Tributária. A resposta: "Não temos prazo para enviar o código de validação!". E prontos ... é assim: uma pessoa quer gerar negócio e não pode porque para eles não há prazos.

Isto é o meu mundinho ... o meu quintal ... eu sei ... mas isto é um exemplo de como se trata quem quer criar negócios em Portugal. Boa noite.

terça-feira, 2 de julho de 2013

A Fazenda Nacional

Ontem o Ministro das Finanças, Vítor Gaspar, demitiu-se. Deixou uma carta ao Sr. Primeiro Ministro.

Não vou aqui falar disso. Vou antes sugerir uma visita à Biblioteca Virtual do Ministério das Finanças e da Administração Pública onde se pode consultar os Orçamentos do Estado desde 1836.

Peguei no primeiro ... o de 1836 e deu-me para ler o relatório do Ministro da Fazenda da altura.

Acompanhem-me nessa leitura, por favor. O relatório começa assim:

Isto podia ter sido escrito em 2013! Frases chaves: "enormes sacrifícios", "empréstimos no estrangeiro", "agravar as gerações futuras", "o hábito de despender largamente", "falta de meios próprios", "recurso ao Crédito".

Tudo isto é familiar. Mas continuemos:


O parágrafo termina assim: "Assim os empréstimos que se deveriam contrair, considerando-os somente como um acidente, e como uma desgraça, foram tomados como um meio de administração, e como um modo de regular de prosperidade, e daqui procedem quase todos os males".

Sim, caro leitor ... isto não é um comentário de alguém na SIC Notícias ou na TVI24. Mas espere que há mais porque neste parágrafo surge a palavra Economia e algo que podia ter sido dito, por exemplo, pelo Camilo Lourenço:


E o que é poupar na despesas em 1836?


A seguir a este parágrafo fala-se da reforma do Estado que passa por ...


Isto está a ficar depressivo! Desde 1836 que andamos a falar das mesmas coisas, temos sempre os mesmos problemas e temos défices nas contas do Estado. Chego à conclusão que nós somos assim ... deficitários crónicos. 

Deixo um última pérola: quando o relatório fala das regiões insulares diz-se isto:


Alberto João Jardim está no poder desde 1836!